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A história...

Ela foi uma menina prodígio que morreu aos 10 anos de idade. Filha de um pai angustiado (o Brasil pós-golpe de 64) e de uma mãe repressora (a política implantada pelo militares), Realidade inquietou as famílias conservadoras com seu estilo rebelde e, ao nascer, ao invés de chorar, a revista deu um grito estilístico que virou lenda entre jornalistas e leitores. Ao ser batizada, o padrinho Vitor Civita (fundador da Editora Abril) adiantou que aquela era “a revista dos homens e das mulheres inteligentes que querem saber mais a respeito de tudo". E foi.

No Brasil de 1966, a informação mais ampla, para além dos jornais, estava condicionada a publicações pouco aprofundadas nas transformações políticas da sociedade. O Cruzeiro, Manchete, Fatos & Fotos e Cláudia eram as opções...e o terreno fértil para os primeiros passos da revista.

A pequena Realidade crescia junto a uma juventude que teve de engolir uma revolução silenciosa, em que centenas de "companheiros" de todo o país desapareciam sem deixar explicação, onde se assistia pelos televisores sem cor, que ganhavam espaços nas salas, aos programas de auditório e folhetins que copiavam as rádio-novelas de 50.

Nos palcos, o elenco do Teatro Opinião e do Tablado encenavam suas reações às represálias em que passaram a viver: Censurados, torturados e, mesmo, expulsos da "Pátria amada mãe gentil", em um brado reforçado pelos coros militares: "Brasil, ame-o ou deixe-o!". Talvez ela tenha ganhado amigos intelectuais 'sessentístas', jovens sedentos de liberdade e sonhos, por apontar, de forma sutil, para um futuro onde as coisas mudariam. Mas, não nasceu em um período onde apenas o sofrimento e dor imperavam. As maiores produções culturais surgiram aí: Tropicália de Gil, Caetano, Bethânia e Gal trariam aos brasileiros ritmos e letras genuínos que abririam a cabeça da juventude para um pensamento ufanista e heróico. Chico usaria seu violão para cantar sobre a realidade de sessenta e descobriria neste contexto a cara de um Brasil cheio de sons e sonhos. Os Mineiros: Milton, Lô, Beto, Flávio, Márcio e a pimentinha Elis. Nascia uma nova Música Popular Brasileira.

Entretanto, nem só de arte viveu esse período histórico. Nessa época, tivemos um dos melhores momentos econômicos, pois, a partir do comando do Presidente Getúlio Vargas, o Brasil enrijeceu sua política econômica interna, desenvolvendo sua capacidade produtora e abriu alianças com as tecnologias de fora, garantindo novas linhas de trabalho, sobretudo nas áreas alimentícias e de comunicação.

Gente que fez Realidade...


Autodidata, Sérgios de Souza ou Serjão, como era conhecido, não chegou a concluir o curso superior, mas, aos 73 anos, construiu uma carreira marcada pelo humanismo no trato pessoal e pela excelência do texto, construído em publicações como Folha de S.Paulo, Realidade, Quatro Rodas e TVs Globo e Bandeirantes, entre outras, em 50 anos de profissão, atualmente trabalhava como editor da revista Caros Amigos, da qual era também um dos fundadores.
Pelos idos de 1959, de acordo com o amigo e editor-chefe da Caros Amigos, Mylton Severiano, o jovem Sérgio de Souza, então um bancário recém-casado, viu um anúncio da Folha com o texto: “Você quer ser jornalista?” Ele queria. Quatro anos depois, foi convidado por Paulo Patarra para integrar a equipe de Quatro Rodas. Em 1966, o ex-bancário integraria a equipe que criou Realidade, revista que marcou época no jornalismo. “Ele era uma grande figura. A liberdade que nos conferia no trabalho era proporcional à qualidade do texto, cortante e contundente, sem perder a elegância”, disse Severiano, "Ele foi meu professor de texto".
Repórter do Globo Rural, José Hamilton Ribeiro afirmou que o trabalho de Serjão na Realidade ajudou a conferir um tratamento literário à reportagem brasileira. “Depois dele e da revista, o texto em revista e jornal, engessado pelas regras do jornalismo americano, mudou completamente.”
Faleceu em março de 2008, vítima de complicações pulmonares. Seu corpo foi cremado, atendendo a uma vontade antiga do jornalista.
Fonte: Estadão

"Acima do Paulo, só 'Deus', ou seja, Victor Civita..."*


Os três primeiros anos foram fundamentais para a definição do estilo da nova publicação, que encontrou espaço no contexto sócio cultural de uma sociedade que começava a sentir o peso do regime militar e a questionar os costumes que teria que adquirir pela força. Entre os temas estavam o aborto, o Haiti, o rock’n’roll e outros pecados capitais e heresias. Os 250 mil exemplares do primeiro número da revista esgotaram em três dias. Em 1967, Realidade chegou a vender o dobro.

O motivo comumente apontado para o sucesso da Realidade era o estilo “grandes reportagens”, que se desdobrava em temas polêmicos ou cotidianos que surpreendiam. Texto primoroso dotado de narrativa e argumentação pautadas no social, o que a classe média instruída queria ler. Para J.S. Faro, foi uma revista que correspondeu com os conceitos otimista de Cremilda Medina sobre a função social da reportagem.**

Ao estilo do texto, eram creditadas influências do new journalism, que geram discordâncias e que o mesmo J.S Faro chama de “código discursivo inovador”. Nenhuma descrição por mais minuciosa que fosse, daria conta daquele texto...


* Frase de Myltainho, repórter da fase auréa da revista, que define o dia-a-dia de Realidade.
** “reportagem é a forma de maior aprofundamento possível da informação social e, por outro lado, é aquela que responde melhor às aspirações de uma democracia contemporânea, com toda a plenitude até mesmo da utopia, o socialismo, ou dentro da modernização capitalista. Pois é justamente a pluralidade de vozes e a pluralidade de significados sobre o imediato e o real que fazem com que a reportagem se torne um instrumento de expansão e instrumentação plena da democracia, uma vez que a democracia é polifônica e polissêmica”

Gente que fez Realidade...


José Hamilton Ribeiro: Repórter
Paulista de Santa Rosa do Viterbo, 76 anos de idade e 56 de profissão, José Hamilton Ribeiro se considera um repórter por vocação. Por causa de sua obstinação pela notícia, foi muito premiado, acumulando, entre outros troféus, sete Esso de Reportagem, o Prêmio Personalidade da Comunicação 1999 e o título de “rosto do jornalismo brasileiro”, conferido pela revista Ícaro no ano passado. Autor de 15 livros derivados de suas reportagens, sendo o primeiro, "O Gosto da Guerra", em função da reportagem sobre a Guerra do Vietnã, que fez para a revista Realidade em 1968, ocasião em que perdeu uma perna ao pisar numa mina terrestre.
Em sua eterna missão de informar, Zé Hamilton — como costuma ser tratado pelos colegas — conheceu os horrores da guerra no Vietnã, mas faz questão de afirmar que odiaria ser reconhecido como 'o repórter que perdeu a perna na guerra', "Uma vez me perguntaram se ficou difícil ser repórter com uma perna só. A resposta: ser repórter com uma perna só é mais difícil do que com duas, mas é mais fácil do que com quatro" disse em perfil publicado pela revista Tripp. Seu trabalho nas redações das revistas Realidade e Quatro Rodas, na Folha de S. Paulo e nos programas “Globo repórter”, “Fantástico” e “Globo rural”, em que há 25 anos exerce as funções de repórter e editor, o transformou numa referência do jornalismo brasileiro.

Brasília, 13 de dezembro de 1968; 147º da Independência e 80º da República.


Realidade possuía a relação de afeição que toda a revista precisa para sobreviver. Ganhou um público fiel que se sentiu traído com o caminho que a revista seguiu, principalmente, depois do AI5.

Com o endurecimento da ditadura, a maioria dos assuntos que pautavam as discussões abordadas na revista foram proibidos. Em 68, a equipe endeusada que fazia a Realidade se demitiu. Paulo Patarra escreveu a matéria de capa da edição de dezembro de 68, seu último mês na revista: Uma entrevista exclusiva com Luiz Carlos Prestes. A revista trazia ainda outras "alfinetadas" ao regime, como a manchete de capa "Copa de 70: Vamos pela esquerda", na matéria lia-se, “o caminho da seleção brasileira até a Copa do Mundo de 1970, no México, passa pela esquerda”. Gerson, Rivelino e Tostão, em página inteira, ladeados pelo título: "Nestas esquerdas o Brasil confia".
A tentativa de recompor a casa estendeu o prazo de sobrevivência até o início de 76, mas não com a mesma credibilidade, e por que não, carinho, que havia conquistado.

Aos 10 anos, aquela menina genial não suportou a pressão. E tornou-se comum, cometendo até os mesmos erros dos jornais impressos: jornalismo cansativo, pouco atraente e sem inovação. Não foi só perda de brilho, mas do contraste que ela criou para si, destoando-se de todos os outros veículos. O número 120, o último, foi às bancas em janeiro de 76, e vendeu 120 mil exemplares. Quantidade sonhada pelas revistas mais famosas da atualidade Oficialmente, a Editora Abril alegou que o fechamento da revista visava o lançamento de uma revista semanal de televisão.

Gente que fez Realidade


Paulo Patarra - Editor
Ganhador do Prêmio Esso de Jornalismo, Patarra era conhecido por ser controverso e polêmico. Atuou na revista Quatro Rodas, fundou a revista Realidade, em 1966; permaneceu por duas décadas na Rede Globo e fez parte do "Aqui Agora".
Nascido em São José dos Campos (SP), Patarra vivia em São Paulo desde os 15 anos de idade. Fumante desde os 12, faleceu no início deste ano em decorrência de um câncer na garganta. A pedido próprio, o corpo do jornalista, que era ateu declarado, não passou por ritos funerários, e foi doado à USP para que fosse usado pela Faculdade de Medicina em estudos.

Revistas que influenciaram o fechamento da Realidade

Diversas razões são apontadas como cruciais para o fechamento da revista. Uma dentre estas se destaca como fundamental: A concorrência de outras revistas, como Veja e Manchete, que cresciam em comparação à Realidade, adotando também o modelo ilustrado em seus projetos gráficos. Estas revistas ganhavam a preferência do consumidor e, de maneira inversamente proporcional, Realidade perdia seu diferencial estilístico. Meses após a última edição de Realidade, surge a revista IstoÉ, trazendo “mais do mesmo” e reafirmando que no jornalismo impresso, assim como nos demais meios, conteúdo bom é aquele que dá lucro...

Prêmios Esso de Realidade

"Brasileiros go home" por Luiz Fernando Mercadante (1966)
"Os meninos do Recife" por Roberto Freire (1967)
"A vida por um rim" por José Hamilton Ribeiro (1967)
"Eles estão com fome" por Eurico Andrade (1968)
"Do que morre o Brasil" por José Hamilton Ribeiro (1968)
"Marcinha tem salvação: amor" por Marcos de Castro (1969)
Edição especial sobre a Amazônia - Prêmio de Melhor contribuição à Imprensa (1972)
"Seu corpo pode ser um bom presente" por José Hamilton Ribeiro (1973).

Apresentação

Este blog foi idealizado pelos alunos:
Fernanda Martins
Heleíze Sena
Márcio Moreira
Rayza Sarmento
Tyara de La-Rocque

E é parte (e um parto!) do 2ºNI da disciplina História da Imprensa, do curso de Comunicação Social - Jornalismo na UNAMA, ministrada pelo Prof. Marcelo Vieira.

Bibliografia utilizada:
SCALZO, Marília. Jornalismo de Revista. São Paulo: Contexto, 2003.
BOAS, Sergio Vilas. O estilo magazine: o texto em revista. 2.ed. São Paulo: Summus,1996.
LIMA, Edivaldo Pereira. Página ampliadas – O Livro-Reportagem como extensão do jornalismo e da literatura. Campinas: Editora da Unicamp, 1995.

Nota da edição:
“ O texto acima, por nós produzido, é um resumo parco e barato de grandes autores que pesquisaram a fundo as características e a história da Revista. Nossos agradecimentos especiais a J.S. Faro que nos ajudou na construção do material."